Palavras Ocas
Palavras Ocas é o título da crónica - achamos nós... pode ser uma outra coisa qualquer - assinada pelos Tunalhos na revista Azórica que sai aos sábados conjuntamente com o Jornal dos Açores
Aqui fica o 1º texto, exemplo da mais sublime pureza literária e de um lirismo só possível dadas as "tântricas" experiências dos seus autores:
"Vamos à festa"
1 - Foi difícil decidir quem começaria o rol de comentários eruditos que este espaço vai proporcionar aos ilustres leitores desta revista. Primeiro, a discussão andou à volta do formato, ou seja, da tipologia a adoptar em termos jornalísticos: se era um ensaio, uma crónica, um comentário ou um simples artigo de opinião. Achámos que o melhor era não definir o género, o que dá jeito para quem, como nós, raramente se sabe identificar e muito menos sabe para onde vai. Portanto, preferimos manter-nos assim, sem condicionalismos de semântica jornalística, exceptuando, claro, as questões que se prendem com a ética, assunto que nos preocupa em demasia dadas as carências que a esse nível todos nós revelamos.
Emergimos, pois, com um perfil indefinido, a fim de podermos dizer hoje uma coisa e amanhã outra, que é isso que faz a verdadeira identidade do homem moderno, sempre aberto e adaptável às novidades culturais, intelectuais e científicas, às críticas sociais … e às oportunidades de emprego.
Somos, por isso, executores de um plano de vida flexível e variado, próprio da humidade que caracteriza a Região e da falta dela que incendeia o País. Este paradoxo prolixo de non-sense foi bonito, “moléstia” à parte!
2 - Por falar em humidade, um dos primeiros assuntos que nos surgiu, na discussão sobre os temas… depois do sexo… foi a falta dele, quer dizer, dela… da humidade. Há que dizê-lo com humildade que não é admissível, para todos nós, nem correcto, nem eticamente aceitável, ver o país a arder, não haver meios aéreos para combater a calamidade e, em contrapartida, serem gastos balúrdios de dinheiro em festas de Verão, fogo de artifício e fios dental que, quer queiramos quer não, só fazem aumentar a temperatura, não contribuindo para apagar a consciência pouco pesada da plebe política e de grande parte dos portugueses, mesmo os de grande visão, nos quais nos incluímos. Inclusive, eu até sei que há portugueses que nesta época vão para o mato e ficam a aguardar o aparecimento de um incêndio capaz de lhes atiçar as brasas para assar os chouriços… que depois vão servir de repasto, bem merecido, aos nossos bombeiros (daí o nome de chouriço à bombeiro)
3 - Mas vamos deixar de falar nos fogos, que isto não nos leva a lado nenhum e eu até nem sou bombeiro, mas tenho-lhes muito respeito, para passar a um outro assunto, quiçá mais importante, mais reconfortante e revelador da solidariedade portuguesa (todos ajudam e ninguém se queixa): refiro-me às festas. Cá nas ilhas não há fogos, mas festas são à fartura: os santos populares, as festas municipais, os impérios, as coroações e …os impérios, outra vez, com coroações… e foguetes a qualquer hora do dia e da noite. Ainda há tempos, era uma hora da manhã e eu estava a dormir, a ter um sonho, diga-se de passagem, bem agradável e acordei sobressaltado com um foguete. A primeira coisa que eu disse foi “É o teu marido… é o teu marido que está a chegar”. Ainda bem que a minha mulher, meia a dormir (bendito seja Deus), me sossegou “Pronto… tiveste um pesadelo… está tudo bem”. Ora isso não se faz! Um foguete que me deu cabo do sono… e quase que me dava cabo da vida!
In Azórica nº 9 da edição nº 53 do Jornal dos Açores de 16 de Julho 2005
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