sexta-feira, 2 de junho de 2006

Estatuto da Carreira Doente

Ficámos a saber que está a decorrer o recenseamento obrigatório de equídeos, portanto de cavalos, muares e burros. Ora, se relativamente aos cavalos é bem provável que, por via da sua educação, estatuto e nobreza, seja fácil o recenseamento, o mesmo não se pode afirmar quanto aos muares e burros. É que há muitos que não sabem que o são – são burros, né? – e depois, em virtude dos handicaps ao nível da sua formação escolar - e por serem tapados e teimosos como alguns políticos -, não saberão qual o caminho a tomar…















1 - Estamos de acordo com a Sra. Ministra da Educação, quando diz que o trabalho dos professores "não se encontra ao serviço dos resultados e das aprendizagens, sendo uma classe que não tem como objectivo o sucesso educativo dos alunos” –, assim um pouco à semelhança do trabalho da Sra. Ministra – não querendo com isto elogiá-la. Conclusão: são uns sádicos estes professores! “Que os docentes não são orientados para os casos difíceis”, é bem verdade, pois a Sra. Ministra efectivamente é um desses casos e muitos dos docentes não estão para a aturar. Isto tudo a propósito do novo Estatuto da Carreira Docente, que é para entrar em vigor a partir de Janeiro de 2007, altura em que a progressão na carreira dos professores será descongelada. O que está muito bem, porque assim é possível continuar com o ambiente “congelado”, já que se limitam o número de lugares a prover por escola para o patamar de Professor Titular e as percentagens máximas de atribuição das classificações de Muito Bom e Excelente. Os senhores professores fiquem sabendo que apenas se estão a alterar as suas expectativas e nunca os seus direitos, como diz o Sr. primeiro Ministro…certo?

2 - Muitas são as aberrações das novas propostas, desde paragens de tempo de serviço lectivo para efeitos de progressão – mesmo justificadas por motivos fundamentados por lei, como a maternidade e paternidade, doença prolongada, etc - mas uma delas, eventualmente menor, – talvez para fazer esquecer as outras – tem a ver com a proposta de avaliação dos professores por parte dos pais. Já estamos a ver o seguinte diálogo:
“Pois é Sr. Medeiros, o seu filho nunca mais apareceu ás aulas!”
“Sabe Sr. Professor, ele abandonou a escola.”
“Chiu, não diga isso Sr. Medeiros, não é preciso ninguém saber desse pormenor. Sabe que as taxas de abandono entram para a minha avaliação e é uma chatice. Bom, a verdade é que eu tenho que trabalhar com rigor para a excelência e não posso de maneira nenhuma ser condescendente. Face ao desempenho do seu filho, eu estava aqui indeciso entre o 4 e o 5 e queria saber a sua opinião.”
- “ Não pode ser um 10?”
- “Sr. Medeiros, a escala de avaliação para o 3º ciclo só vai até 5!”
- “ Pronto, está bem, que seja o 5.”
- “Olhe, já agora, eu queria informá-lo que quando lhe derem uma ficha para avaliar o meu desempenho e as minhas competências como professor - não se esqueça que eu sou o professor de História - , se a menção for qualitativa deve colocar sempre “excelente”, se for quantitativa deve colocar um 10.”
- “ Como é que é? Se o quê for o quê? Mas então, se o Sr. professor só vai dar 5 ao meu filho, quer que eu lhe dê 10 a si? Deve pensar que eu sou parvo, não?!... Leva 5 e não se fala mais nisso.”
- “Mas Sr. Medeiros, depois quando o seu filho chegar ao Secundário eu prometo que lhe dou 20. Vá lá, você não me pode dar 5! É que isso pode fazer com que a minha avaliação seja satisfatória e se assim for “eu satisfaço” mas o estado suspende a minha progressão e não me dá mais dinheiro”
- “O Sr. professor não tem um computador a mais que possa ceder para eu ir à Internet?”
- “Claro, leva o meu computador e uma impressora nova que comprei nos saldos da Rádio Popular.”
- “ O Sr. professor pode ficar descansado… fez um negócio excelente.”
- “Você a partir de hoje, Sr. Medeiros, não tem que se preocupar com a educação do seu filho - que está bem entregue e eu garanto-lhe 100% de sucesso. Agora basta preocupar-se com a minha avaliação e fica tudo resolvido. Desejo-lhe as maiores felicidades e também para o seu filho. Com esta educação só prevejo um futuro de sucesso…pelo menos enquanto ele estudar, quer-se dizer, enquanto andar na escola… a coçar-se!”

P.S. - Não me venham com a treta do rigor e da justiça na avaliação dos docentes... Nestas propostas, um professor pode ser muito bom ou excelente, mas face à existência de cotas na subida para professor titular e face à limitação do nº de avaliações de muito bom ou excelente ele pode ficar a "navegar" eternamente no meio da carreira. Não há uma preocupação com o que interessa: o VERDADEIRO sucesso dos alunos e a sua correcta avaliação, mas tão só uma preocupação economicista - e para a poder justificar aos olhos da sociedade basta denegrir a imagem do professor.
Não estou contra a avaliação dos docentes e algumas das propostas encontradas poderão ser válidas. Contudo, encontro no meio de tudo isto um enorme contra-senso : falamos do inevitável aumento da condescendência ao nível da aprendizagem dos alunos, conduzindo, ainda mais, ao facilitismo e ao "sucesso da mediocridade". Os nossos alunos, no futuro, pensarão que tudo vai ser fácil, até se depararem com a vida real e com o inferno que os nossos governantes fazem dela...
No final de cada ano toda a escola vai estar envolvida - e ainda mais "burocratizada" - na avaliação dos docentes, numa altura em que devia estar empenhada na reflexão em torno da avaliação dos seus alunos, do seu projecto de escola e da preparação do novo ano escolar. Mas já nem vou por aqui: tudo depende da eficiência e organização que cada escola souber implementar para que tudo decorra bem.
Nas escolas mais problemáticas recomendo aos colegas que fujam delas - afinal a Sra. ministra não diz que fugimos dos casos mais dificeis? - caso contrário estarão condenados ao fracasso da vossa avaliação, mesmo que consigam algum sucesso verdadeiro no desenvolvimento dos vossos alunos.
Finalmente, sobre a questão muito discutível da avaliação dos professores por parte dos pais - a escola saberá distinguir o trigo do joio - isso é capaz de ser um dos aspectos menos relevantes: soa-me apenas a "manobra de diversão" para se esconder o resto!

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